domingo, 18 de agosto de 2013

A mulher dengosa

Era uma vez um homem que se casou com uma mulher muito cheia de dengues. Fingia não ter apetite. Quando se sentava à mesa era para tocar apenas nos pratos. Comia três grãos de arroz e já cruzava o talher, como se tivesse comido um boi inteiro.
O marido desconfiou de tanta falta de apetite, porque apesar daquele eterno jejum ela estava bem gordinha. E imaginou uma peça.
— Mulher — disse ele — tenho de fazer uma viagem de muitos dias. Adeus.
E partiu com a mala às costas — mas deu jeito de voltar sem ser percebido. e de esconder-se na cozinha, atrás do pilão.
Logo que se viu só em casa, a mulher dos dengues suspirou de alívio e correu à cozinha.
— Joaquina — disse à cozinheira — prepare-me depressa uma sopa bem grossa, que quero almoçar.
A negra preparou uma panelada de sopa, que a dengosa engoliu até o finzinho.
Logo depois disse à cozinheira:
— Joaquina mate um frango e prepare-me um ensopado para o jantar.
A negra preparou o ensopado, que ela comeu sem deixar uma isca.
— Agora, Joaquina, prepare-me uns beijus bem fininhos para eu merendar.
E merendou os beijus, sem deixar nem um farelo.
— E agora, Joaquina, prepare-me um prato de mandioca bem enxuta para eu cear.
A negra preparou a mandioca, que a dengosa comeu até não poder mais.
O marido então escapou do seu esconderijo e foi bater na porta da rua, fingindo estar chegando da viagem. Era um dia de chuva bem forte.
Quando a mulher abriu e deu com o homem, ficou desapontada. Ele explicou que havia desistido da tal viagem e voltado.
— Mas maridinho, como chegou você tão enxuto, debaixo duma chuva tão grossa?
O marido respondeu:
— Se a chuva fosse tão grossa como a sopa que você almoçou, eu viria tão ensopado como o frango que você jantou; mas como era uma chuva fina como os beijus que você merendou, eu cheguei tão enxuto como a mandioca que você ceou.
A dengosa ficou admiradíssima daquelas palavras e desapontadíssima ao compreender que o esposo tinha descoberto sua manha. E acabou com os dengues.
— Bem feito! — exclamou Emília. — Não gosto de gente afetada. Esse homem sabia fazer as coisas. Sem empregar nenhuma brutalidade, deu uma lição de mestre na dengosa.
— Mas o pior — disse Narizinho — é que fiquei com água na boca de vontade de comer os tais beijus. Que será beiju? Nunca vi isso.
— É mesmo! — disse dona Benta voltando-se para tia Nastácia. — Está aí um petisco que você nunca se lembrou de fazer.
— E sei fazer, sinhá, sei fazer beijus dos mais gostosos, mas nunca encontro por aqui farinha boa. A da venda do Elias Turco não vale nada — é como o nariz dele.
— E eu — disse Pedrinho — fiquei com vontade de comer mandioca cozida, da bem enxutinha, com melado de rapadura. Upa! É uma coisa da gente lamber os beiços.
— Beiço é de boi — protestou Emília. — Gente tem lábios.
— Bom — disse Narizinho — essa história foi excelente, mas curta demais. Conte uma comprida.
Tia Nastácia, porém, contou outra ainda mais curta.


O conto foi coletado por Sílvio   Romero  da oralidade popular e foi extraído do livro "Histórias de Tia Nastácia" de Monteiro Lobato.


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